Ó mar anterior a nós, teus medos
Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mistério,
Abria em flor o Longe, e o Sul sidério
'Splendia sobre as naus da iniciação.
Linha severa da longínqua costa -
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em árvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, há aves, flores,
Onde era só, de longe, a abstracta linha.
O sonho é ver as formas invisíveis
Da distância imprecisa, e, com sensiveis
Movimentos da esp'rança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte-
Os beijos merecidos da Verdade.
Análise do poema Horizonte:
O poema Horizonte encontra-se na segunda parte da Mensagem: o “Mar Português”, onde Pessoa fala da História dos Descobrimentos.
O título do poema Horizonte evoca um espaço longínquo que se procura alcançar, funcionando, assim, como uma espécie de metáfora da procura, como um apelo da distância, do “longe”, à eterna procura dos mundos por descobrir e simboliza a verdade do conhecimento.
No primeiro verso da primeira estrofe Pessoa através da apóstrofe, invoca o “mar anterior a nós”, ou seja, o mar das trevas (mar da idade média), o mar ainda não descoberto mostrando-nos a grande admiração que este tem pelo mesmo e, o pronome pessoal “nós” refere-se ao povo português que tinha “medos” mas que mesmo assim conseguiu descobrir “coral, praias e arvoredos”.
Encontramos nos restantes versos da primeira estrofe uma oposição que refere este tal “mar anterior”, o mar anterior aos descobrimentos, através de substantivos como “medos”, “noite e a cerração”, “tormentas” e “mistério” que remetem para a face oculta da realidade; e que, através de palavras como “coral praias e arvoredos”, “desvendadas”, “Abria” e “Splendia”, que contêm a ideia de descoberta, refere o mar posterior aos Descobrimentos.
Ainda na primeira estrofe do poema há a referência ao “sul siderio” que é o sul celeste, o sul onde se situavam as serras mais baixas, o sul que “esplendia” sobre as “naus da iniciação”, sobre as naus portuguesas que, impulsionadas pelos ventos do sonho, da esperança e da vontade, abriram novos caminhos e deram início a um novo tempo descobrindo a maior parte das terras desconhecidas. Esta referência à navegação no hemisfério sul na 1ª estrofe é caracterizada por um estado de euforia.
Em suma, a mensagem que esta estrofe nos pretende passar é que o “mar anterior” que os portugueses temiam por ser desconhecido, foi desvendado, tiraram-lhe a “noite” e revelou-se então o seu mistério. Abriu-se esse conhecimento quando as naus dos iniciados viajaram para Sul.
A segunda estrofe do poema é sobretudo descritiva, sendo que, esta descrição é feita através da sucessiva aproximação do longe para o mais perto: “A linha severa longínqua/Quando a nau se aproxima” e “o Longe nada tinha/Mais perto abre-se a terra”. Nesta estrofe o abstracto torna-se concreto.
A “linha severa na longínqua costa” representa as tais terras desconhecidas, mas que “quando a nau se aproxima ergue-se a encosta em árvores” conseguiram ser alcançadas pelos portugueses, esta encosta são, então, todos os lugares onde os portugueses marcaram a sua presença.
Por fim, na última estrofe, Pessoa aproveita o balanço do raciocínio anterior e chega à conclusão que podia equiparar o sonho a ver essas “formas invisíveis da distância imprecisa”, ver para além do que o que os nossos olhos alcançam e “buscar na linha fria do horizonte a árvore, a praia.. os beijos merecidos da Verdade”. O sonho é o mito que é o tudo desde que determinadas forças se desocultem, desde que se defina uma “abstracta linha” (v.12) que, neste caso, representa o mar português como o “mito é nada que é tudo” do poema “Ulisses” que pertence à primeira parte da Mensagem. O uso do verbo ser no presente do indicativo confere aos versos intemporalidade.
Nos versos 16 e 17 há uma passagem do abstracto ao concreto reforçado pela acumulação de nomes concretos como “árvore”, “praia”, “flor”, “ave” e fonte que servem para alcançar um estádio de natureza suprema.
O poema acaba com o verso “Os beijos merecidos da Verdade” que nos mostra que os portugueses são dignos de receber a verdade do conhecimento oculto, o tal horizonte.
Este poema mostra-nos Pessoa como um nacionalista místico mas, por outro lado pessimista , apesar de, neste poema apenas nos deparamos com as lágrimas e sofrimento de Portugal através de raras expressões como “noite e cerração”, “tormentas”, “distância imprecisa” e “linha fria do horizonte”.